sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

A porta do meio

Entre as três, ela escolheu a porta do meio, a sem adornos.
Entrou.
Olhou em volta e num mergulho sensato percebeu que era a porta errada.
- É que as outras duas estavam “enfeitadinhas” demais, pensou.

Desconfiou, pois a insanidade do cotidiano jurou que tudo que é bonitinho, alegrinho, enfeitadinho, não é real. É diminutivo.
Dentro daquele lugar lembrou da justificativa torpe pra si mesma. Sentiu-se tola, seca.
E viu que talvez o diminutivo dos enfeites das portas ao lado é que a faria se sentir mais ela.
Naquele lugar só janelas antigas, que rangiam quando se abriam.
A paisagem era confusa, como se um míope estivesse olhando.
No canto direito uma mesa e uma cadeira , também antigas. Um papel já amarelado e um lápis comido pelo tempo.
- Se sentou. Imaginou o que teria nas outras duas portas.
Desesperou.
Catando as migalhas de si que se espalharam ao chão daquele lugar assim que entrou, descobriu que num passado remoto, ela construía artesanalmente seus enfeites para as portas que por ventura iriam se abrir.


Numa insuportável conclusão da escolha equivocada que fez, percebeu que havia escolhido a tangente óbvia de um labirinto retilíneo. Sem saídas, sem possibilidades e sem nenhuma verdade. Somente a verdade nua e crua de que aquela não era a porta certa.

- Bateram à porta.
Fingiu que não estava, afinal de contas não era mesmo ali que queria estar.
Sentiu-se mentirosa, envergonhada pela escolha errônea.
Já haviam descoberto seu equívoco.

Sentada na cadeira, relembrou seus adornos de pureza infantil e tola.

Olhou para o papel à mesa e percebeu que naquele ambiente onde tudo parecia muito velho e acinzentado, a única coisa que fazia sentido e parecia ter vida era o papel de cor amarelada.
E ali, com lápis comido pelo tempo e o papel desgastado, recomeçou a esboçar seus enfeites de outrora. De pureza infantil e tola, mas que em meio ao vazio daquele lugar de porta sem adornos, lhe trazia uma felicidade sem precedentes.