quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Na quarta. O meio insosso da semana


Eles vieram de bicicleta. Juntos.
Ele de chapéu panamá, camisa de linho e cara de quem sabe todas de Chico Buarque.
Ela calça hippie, conga no pé, cabelo encaracolado e ar fresco.
Adoráveis, adentraram ao boteco com o ponto de ônibus atracado à sua porta.
Ali, as pessoas muito pouco chegam, elas quase sempre estão indo.
A cerveja desceu redonda no primeiro gole solitário, sem brinde.
As amigas estão no cinema. Chegam logo mais.
Ao fundo um som old times. Cantarolo e dou risada de pensar o que estão pensando desta mulher sentada sozinha num bar de confraternizações. Não que eu me importe com os julgamentos, só me divirto com os clichês pensados.

Chegam as amigas. “Matias, alivia que o Che Guevara tá entrando sem colete”. Reproduzo a fala do filme ao qual saíram extasiadas.
Sorriso largo.
Abraço apertado. Cerveja no copo. Brinde.
A mesa cresce. O papo fica eufórico.
Bebidas, mundo, relacionamentos, viagens, cotidiano, trabalho, vida. Risadas. E pronto, foram exorcizados os demônios. Tudo isso na quarta, o meio insosso da semana. No boteco. Com o ponto de ônibus atracado à sua porta.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

"Átame " A linha fina que amarra o amor ao absurdo


Não há um filme sequer na carreira do diretor e roteirista espanhol Almodóvar, que não dialogue com o espectador sobre questões profundas da existência humana. É possível navegar em mares turbulentos, profundos e desconhecidos de um cotidiano muitas vezes bizarro de seus personagens.
São histórias possíveis, pinceladas por detalhes a primeira vista insanos.

Átame, de 1990, mostra dois personagens de fragilidade antônima. De um lado, Marina Osório interpretada por Victoria Abril, vezes protagonista de filmes pornográficos, viciada em drogas, agora atuando em uma produção burlesca de 2º classe, num filme de terror. É uma mulher que frequentemente flerta com a voluptuosidade, perdida em sua identidade. Do outro, Rick (Antônio Banderas) recém saído de um sanatório, inebriado pela vontade incompreendida de viver um romance com a atriz, conhecida de seu passado. Ele idealiza Marina como sua esposa e mãe de seus filhos, uma figura sensível em busca da realização amorosa que nunca havia experimentado.

Ao se sentir rejeitado após uma visita aos estúdios onde Marina grava o triller, Rick rapta seu objeto de desejo, Marina, sucumbindo seus instintos de sobrevivência. Vidrado no propósito de convencê-la de que ele é o grande amor de sua vida, acredita na normalidade de constituir uma família com a atriz, mantendo-a atada a uma cama.

A trama aparentemente simples, nos faz refletir constantemente sobre a linha fina que amarra o amor ao absurdo. Sempre prestes a arrebentar, porém as vezes tão firme como uma muralha. E é neste paradigma que Marina se atira, para viver uma história de amor fulminante, cheia de descobertas e conflitos internos. Andando na corda bamba do amor/absurdo possível, aquele é o único que lhe parece verdadeiro.

O filme é classificado como drama. Ao meu ver, um romance singular, surpreendente e saboroso.

A trilha sonora é de ninguém menos que Ennio Morricone, arranjador, compositor e maestro italiano, criador de trilhas sonoras inesquecíveis como as dos clássicos “Era uma vez no oeste”e “Cinema Paradiso” e do recente “Bastardos Inglorius” de Tarantino. A trilha dá ao filme suas tonalidades de humor e tensão, paixão e loucura, todas misturadas e amarradas à cama, entre Rick e Marina.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

"Pro nenê nanar" A música como extensão do embalo materno e construção da identidade


Quando o filósofo e antropólogo Claude Lévi-Strauss afirmou em um de seus livros que “ao ouvirmos música, e enquanto a escutamos, atingimos uma espécie de imortalidade”, ele colocou a música como uma das criações sublimes do ser humano, fundamentais para o processo de socialização, crescimento intelectual e desenvolvimento da sensibilidade.

Em tempos modernos, onde a característica latente da sociedade é o interesse individual, a competitividade, a escassez de tempo com a família e a velocidade de informação (fragmentada), é preciso entender que o processo de crescimento e construção de um indivíduo vai além dos aspectos físicos ou intelectuais (cognitivos), sendo necessário levantar questões tão complexas quanto às da maturação biológica, voltando o olhar para aspectos do amadurecimento afetivo e social.

E é nesta vertente que a música assume um papel múltiplo e se torna grande aliada na criação de uma identidade sólida, que envolve a construção de seres humanos mais sensíveis e empáticos. Este processo, de acordo com pesquisas realizadas particularmente nas décadas finais do século XX, pode ser iniciado quando o bebê está ainda no útero materno e já desenvolve reações a estímulos sonoros.

Após o nascimento e muito antes de se constatar através de pesquisas que os bebês tendem a permanecer mais calmos quando expostos a uma melodia serena, nossos antepassados já percebiam que colocar um bebê do lado esquerdo do peito, deixava-o mais calmo. A explicação científica é que, nessa posição, ele sente as batidas do coração de quem o está segurando, o que remete ao que ele ouvia ainda no útero, isto é, o coração da mãe.

A partir daí, a música cria uma forma de extensão do embalo materno, que de acordo com a psicopedagoga, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, Quézia Bombonatto, “é muito importante para todo o desenvolvimento psicomotor, para o sistema neurológico e do equilíbrio da criança”.

Quézia Bombonatto destaca que para muito além da função primitiva de tranquilizar a criança e fazê-la dormir, a mãe canta para acalentar e oferecer aconchego. “Por meio da música, esse sentimento de proteção é captado pelo bebê. É um estímulo valioso para o desenvolvimento porque a criança começa a identificar, desde muito cedo, a voz e a entonação do pai e da mãe”, explica. A psicopedagoga ainda ressalta que os bebês aprendem sobre a cultura dos pais pelo repertório musical. “As escolhas revelam temperamentos e demonstram valores e gostos”, finaliza.

Desta maneira, conseguimos perceber também a importância da construção individual da criança através da música, isto é, do aprendizado das regras sociais. Cantigas de roda proporcionam a interação com outras crianças de forma lúdica, sugerindo a vivência de situações de perda, de escolha, de dúvida ou de alegria através das letras.

No Brasil, o selo musical “Palavra Cantada”, criado em 1994 pelos músicos Sandra Peres e Paulo Tatit marcou o cenário da música infantil com o CD “Canções de Ninar” que retoma a ludicidade e a poesia das cantigas de roda, porém sem perder a modernidade e o contexto em que estão inseridas as crianças de hoje.


“Palavra Cantada”
Música lúdica e poética pra criança nenhuma botar defeito


Foi com total cautela e inspiração que os músicos Sandra Peres e Paulo Tatit subverteram o mundo através do selo Palavra Cantada com novas canções para crianças, respeitando a inteligência e a sensibilidade dos miúdos, que quase sempre possuem um universo particular e infindável de imaginação.
A Palavra Cantada conta hoje com 20 títulos em seu catálogo, entre CDs e DVDs e vem sendo aclamada pelo público e pela crítica do país como um trabalho diferenciado dentro da cultura musical.
Quatro dos dez trabalhos já lançados pela dupla ganharam o prêmio Sharp de melhor álbum infantil. Destaque para o primeiro CD “Canções de Ninar”, que revolucionou o cenário da música infantil brasileira. Considerado um clássico, as 22 canções encontradas no álbum é um deleite para filhos e pais. De forma renovada, porém mantendo o velho encanto das cantigas de ninar, as canções retratam a odisseia diária de pais e filhos no momento de dormir. Com graça e singeleza, letra e melodia se entrelaçam para falar da noite, do sonho, dos medos e anseios do mundo infantil.
O CD conta com participações especiais de importantes músicos, como Ná Ozzetti, Arnaldo Antunes, Mônica Salmaso, Zé Tatit, Pedro Mourão entre outras figuras inusitadas do mundo alternativo da música brasileira.
O selo Palavra Cantada já é utilizado em diversas escolas do país como ferramenta de aprendizado tanto nas disciplinas curriculares quanto para aulas de musicalização.

Discografia: “Canções de Ninar” (1994), “Canções de Brincar” (1996), “Cantigas de Roda” (1996), “Canções Curiosas” (1998), “Mil Pássaros” (1999), “Noite Feliz” (1999), “Canções do Brasil” (2001), “Meu Neném” (2003), “Palavra Cantada 10 anos” (2004), “Pé com Pé” (2005), “Carnaval Palavra Cantada” (2008), “Canciones Curiosas – palabra cantada en español” (2008), “Palavra Cantada Tocada”(2008).



Fontes:

NOGUEIRA, M. A. - A música e o desenvolvimento da criança. Revista da UFG, Vol. 5, No. 2, dez 2003 on line

Blog Educar e Cuidar – texto “Canção de ninar é importante para o desenvolvimento infantil”

Site Palavra Cantada – www.palavracantada.com.br

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A recompensa


Todos os dias antes de dormir, beijo a tela do celular num gesto romântico quase patético. Na tela, uma foto nossa onde realmente sinto o gosto doce do beijo real.

Tenho privilégios, pois fecho os olhos e em segundos viajo pro cheiro inconfundível do seu peito. Me divirto com suas manias, seus rituais quando chega em casa após um dia longo de trabalho.

Eu que nunca me deixei seduzir pela rotina, vivo querendo estar dentro da sua. Porque é nela que descubro suas particularidades e me permito sentir que cada vez mais, faço parte de você.

Somos a recompensa um do outro. A porta que dá acesso ao melhor de nós mesmos. Só com você consigo não pensar na obviedade do cotidiano.

Vou continuar beijando a tela do celular!
Na tentativa de manter sempre o frescor da sensação do beijo da foto.
Como um bicho inocente e instintivo, continuarei cumprindo a tarefa árdua de conviver com o mundo aqui fora, para ter a certeza condicional de que a minha recompensa pelo sacrifício, é ter você!

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Aquele falso brilhante


Sou uma covarde.
Parasita da rotina e da desculpa permanente da “falta de oportunidade”.

Sou um engodo. Uma farsa. Aquele falso brilhante de Elis.
Me divido entre lamentar o existir insosso e a felicidade provinciana de quem vive um bom amor. Sou uma blasfemia. Um sorriso morno tipo madame botox.
Fiz escolhas. Pago por elas tendo dimensão da burrada ou não.

Completa mentira!
Eu nem sabia o que era ideologia.
Fugi pela tangente que parecia convincente.
Para outros talvez.
Pior mentira é aquela contada pra si mesma.
Repeti tantas vezes que quase me convenci que era verdade.
Mas a dúvida permanece, como agulha de acupuntura.
Fina, latente.

Conforme-se. Você não tem coragem de mudar.
Você se deixa influenciar.
Vai fazer o que agora?
Sou um engodo. Uma farsa. Aquele falso brilhante de Elis.

segunda-feira, 1 de março de 2010

E errar não é humano?!


Preciso descobrir onde estou me equivocando!
Minhas tentativas são todas em vão, nunca sei quando agrado, mas faço de bom grado.
Nunca sei se alcanço e olha que me estico ao máximo.
As coisas me vêem com uma intensidade que quase sempre não me cabem.
Sinto demais, sofro demais, demonstro demais.
Também preciso descobrir quando parar de sentir tanto.
Dramas. Tudo literal. Eu literando..
Tenho medo de descobrir que se parar de sentir posso perder minha essência.Se é que isso é possível. Seder, e ser o que outros querem que eu seja.
Não sei até quando posso aguentar, até onde vai a corda sem arrebentar.
Zelo pelos meus sentimentos pois acho que é o que tenho de mais nobre.
Tomo cuidado para mantê-los límpidos quase inocentes, sem muita malícia, pessímismo ou raiva.
Mas peco em tamanho zelo, são nobres os sentimentos verdadeiros e não os polidos.
Os que vem a tona, sem medidas, sem explicações, são os que me comovem de fato.
Ando cometendo equívocos.
Quem não consegue não me compreende.